A controvérsia consiste em saber se cártula, ainda que contenha todos os requisitos essenciais previstos no art. 2º, § 1º, da Lei das Duplicatas, tem sua validade e sua eficácia desconstituídas, retirando sua natureza por apresentar "também a descrição da mercadoria objeto da compra e venda, uma fatura da mercadoria objeto da negociação", e não observar, com precisão, "os limites do documento, com altura mínima de 148 mm e máxima de 152 mm e largura mínima de 203 mm e máxima de 210 mm", conforme modelo estabelecido na Resolução do Bacen n. 102/1968.
O art. 113 do Código Civil dispõe que os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração. Assim, não é comum que o sacado e endossatários se valham de régua, por ocasião, respectivamente, do aceite e da operação de endosso, para aferição do preenchimento preciso das dimensões de largura e altura da cártula.
Como se sabe, são três modalidades de duplicata, quais sejam: a) a cartular, assinada em papel; b) as assinadas por certificado digital, denominadas no mercado de securitização de recebíveis de "duplicata digital"; c) as correspondentes às informações presentes nos boletos bancários, inicialmente denominadas "duplicata virtual" ou "eletrônica", a teor da mais técnica nominação atribuída pela Lei n. 13.775/2018, "duplicata sob a forma escritural".
Na verdade, a "praxe mercantil aliou-se ao desenvolvimento da tecnologia e desmaterializou a duplicata, transformando-a em 'registros eletromagnéticos, transmitidos por computador pelo comerciante ao banco. O banco, a seu turno, faz a cobrança, mediante expedição de simples aviso ao devedor - os chamados 'boletos', de tal sorte que o título em si, na sua expressão de cártula, somente vai surgir se o devedor se mostrar inadimplente. Do contrário, - o que corresponde à imensa maioria dos casos - a duplicata mercantil atem-se a uma potencialidade que permite se lhe sugira a designação de duplicata virtual'.
Vale observar que os requisitos essenciais da Duplicata, os quais devem ser devidamente supridos sob pena de retirar o valor do de título de crédito do documento estão claramente previstos no art. 2º, § 1º, da Lei das Duplicatas, que estabelece que a cártula conterá: I - a denominação "duplicata", a data de sua emissão e o número de ordem; II - o número da fatura; III - a data certa do vencimento ou a declaração de ser a duplicata à vista; IV - o nome e domicílio do vendedor e do comprador; V - a importância a pagar, em algarismos e por extenso; VI - a praça de pagamento; VII - a cláusula à ordem; VIII - a declaração do reconhecimento de sua exatidão e da obrigação de pagá-la, a ser assinada pelo comprador, como aceite, cambial; IX - a assinatura do emitente.
Assim, a imprecisão das medidas formais da cártula caracteriza mera e irrelevante irregularidade, cuja pecha de inexistência não encontra respaldo nos usos e costumes, caracterizando formalismo totalmente incompatível com o direito empresarial, isto é, não caracteriza vício que afete a validade e eficácia do título de crédito, não sendo também compatível com a boa-fé objetiva que a sacada dê o aceite sem nenhuma oposição e, até mesmo maneje a presente "ação declaratória de inexigibilidade de duplicata mercantil", e, contraditoriamente, venha a dizer que o documento não caracteriza duplicata.
Igualmente, não perece razoável o entendimento de que, como a cártula apresenta também a descrição da mercadoria objeto da compra e venda, uma fatura da mercadoria objeto da negociação, o que desnatura e descaracteriza por completo o título como duplicata.
Isso porque a descrição da mercadoria, a par de caracterizar uma duplicata da fatura na própria acepção do termo, a toda evidência, embora represente redobrada cautela, não pode ser caracterizado nem sequer algo descabido, pois o art. 2º, § 2º, dispõe que uma duplicata tem que corresponder a uma única fatura.
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